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quinta-feira, 1 de novembro de 2012

0 O diretor da Petrobras que libera dinheiro público para amigos

O gerente de patrocínios da Petrobras tem apelido de bicho bravo. Mas é generoso: liberou R$ 600 mil de verba pública para a ONG de amigas

MURILO RAMOS
DA NATUREZA DA AMIZADE Jacaré, Rangéria e Daniela na beira do Lago Paranoá, em Brasília. Aos amigos, o dinheiro da Petrobras (Foto: reprodução)

Répteis, com o couro grosso e o sangue frio, os jacarés estão entre os mais eficientes predadores do mundo. Por causa dessa característica, são raros os casos de pessoas que procuram se aproximar desses animais. Os poucos que correm esse risco podem até se dar bem – desde que o jacaré em questão não seja exatamente o bicho, mas um servidor público bem colocado na máquina federal. José Samuel Magalhães, gerente de comunicação da Petrobras para as regiões Centro-Oeste, Norte e Minas Gerais, tem tal credencial. Carrega o apelido de Jacaré desde a década de 1970, quando era petroleiro e membro do sindicato da categoria no interior de São Paulo. Hoje, trabalha no andar mais alto do edifício da estatal, em Brasília. A partir de sua sala ampla, avista ministérios, a catedral e o Museu da República. Decide o destino de uma parte dos milhões de reais que a Petrobras gasta em patrocínios culturais. São R$ 22 milhões sob seu controle neste ano.
Ao contrário do que seu apelido poderia sugerir, Jacaré tem muitos amigos – e o hábito de agraciá-los com as verbas públicas sob sua administração. Rangéria Amorim e Daniela Gonçalves, sócias do Instituto Zabilin de Arte e Cultura, uma ONG que funciona em Brasília, estão entre os privilegiados que receberam uma verba da Petrobras graças ao amigo Jacaré. Desde 2007, o Zabilin de Rangéria e Daniela recebeu cerca de R$ 600 mil da Petrobras, por meio de cinco patrocínios aprovados por Jacaré. A relação de amizade entre ele e as dirigentes do Zabilin está estampada em redes sociais. Jacaré e suas amigas aparecem em almoço regado a vinho, dentro e fora de um avião e até mesmo num aprazível piquenique.
O lugar não poderia ser mais apropriado: à beira do Lago Paranoá, que banha Brasília (em algumas áreas mais remotas da orla do Paranoá, é comum encontrar jacarés de verdade. Numa das fotos, Jacaré aparece à vontade, de sunga preta, preparando-se para tomar um revigorante banho de sol. Jacaré e as amigas costumam fazer reuniõezinhas de fins de semana e são figuras carimbadas em bares e restaurantes de Brasília, fato reconhecido pelas sócias do Instituto Zabilin. Eis o que disse a ÉPOCA Rangéria, a presidente do Instituto Zabilin, sobre sua relação com Jacaré. “Sou amiga dele. Meu vínculo com ele é de amizade.” Ela nega, porém, que seja favorecida na obtenção dos financiamentos da Petrobras. “Ao contrário. Sempre recebemos menos do que pedimos à Petrobras”, diz. “Se estivéssemos escondendo algo, não sairíamos em público com ele.”
Apesar de todas essas evidências, Jacaré não admite a amizade com as dirigentes da Zabilin. Por meio da assessoria de imprensa da Petrobras, ele afirmou que sua relação com as sócias da ONG “é apenas de patrocinador e proponente”. Jacaré também comentara com amigos que estava inclinado a liberar R$ 762 mil para o Espaço Cultural Mosaico, um teatro inexpressivo de Brasília ligado ao Zabilin, que pedira um patrocínio à Petrobras para sua manutenção. Depois de ÉPOCA perguntar sobre mais esse negócio, Jacaré mandou dizer que o pedido de patrocínio fora negado. E submergiu.
Sou amiga dele. Meu vínculo com ele é de amizade "
RANGÉRIA AMORIM, DIRETORA DA ONG ZABILIN
Quais seriam os motivos para Jacaré agir com as amigas do Zabilin tal como Pedro com Jesus a caminho da cruz? Uma primeira razão pode estar ligada a um fato: a ONG tem a ficha suja. O Zabilin tem dois convênios com o Ministério do Turismo inscritos na categoria “inadimplente”. Juntos, somam R$ 770 mil. Num deles, a ONG deixou de dar explicações sobre gastos realizados num projeto voltado ao entretenimento de adolescentes de Brasília. De acordo com técnicos do Ministério do Turismo, o Zabilin não apresentou a relação de pessoas contratadas para trabalhar nem cópias de bilhetes aéreos que justificassem as despesas. Num dos projetos, a Controladoria-Geral da União (CGU) identificou que a ONG não comprovou ter investido o valor combinado. De acordo com a CGU, o Zabilin também incorreu em outro desvio comum no pantanoso mundo das ONGs. Contratou como fornecedora uma empresa ligada a um de seus dirigentes. Rangéria diz que as explicações foram enviadas, mas o Ministério do Turismo ainda não as analisou.
Outra razão pode estar ligada à mania de Jacaré – aparentemente incorrigível – de favorecer ONGs e empresas de amigos. Em 2009, ÉPOCA mostrara seu empenho em ajudar a produtora Engenho de Arte, de sua amiga Núbia Santana. Jacaré autorizou um patrocínio de R$ 260 mil para a produção do filme Pra ficar de boa, sobre a reabilitação de jovens infratores de Brasília. Com o acréscimo de algumas cenas, Jacaré abriu mais a mão, e o dinheiro doado pela Petrobras à Engenho de Arte chegou a R$ 477 mil. Jacaré viajou para Paris para o lançamento do filme. Empolgado com a parceria, instruía Núbia Santana a obter patrocínios em outros órgãos de governo. Tinha até planos de tornar-se sócio de Núbia no empreendimento.
Jacaré ascendeu a um cargo importante na Petrobras graças às amizades. Ele é ligado ao gerente executivo de comunicação da estatal, Wilson Santarosa, desde os tempos do Sindicato dos Petroleiros de Campinas, ainda durante o governo militar. Com um orçamento de R$ 58 bilhões, a Petrobras é uma das maiores empresas de petróleo do mundo. Está entre as maiores patrocinadoras culturais do país. Com valores superlativos para investir em todas as áreas, recebe milhares de projetos de patrocínio todos os anos. Jacaré examina parte desses pedidos. Ele diz que segue o código de ética da Petrobras e nega os favorecimentos. Papo de Jacaré?
Após a publicação na edição 753 de ÉPOCA, Lucio Mena Pimentel, gerente de imprensa da Petrobras, enviou esta carta à redação:
A Petrobras reitera que não existem vínculos ou favorecimentos entre patrocinador e proponentes, e que o procedimento dos gestores e empregados da Petrobras é regulado por seu Código de Ética. A companhia patrocina projetos, não instituições ou ONGs. Assim como já informado, são realizados procedimentos rigorosos para a aprovação de patrocínios, como exigência de certidões negativas, FGTS e extrato da Receita Federal. Caso haja qualquer irregularidade, o patrocínio não é realizado. Como já informado diversas vezes, a contratação dos projetos de patrocínio obedece à rigorosa análise documental (certidões, estatutos, atas etc.), à aprovação da Secretaria de Comunicação do Governo Federal (Secom) e a análises jurídica, tributária e financeira. Além de omitir de forma arbitrária as informações enviadas pela Petrobras, a reportagem ignorou o fato de a companhia ser submetida a instrumentos de controle interno e externo, como auditorias da Corregedoria-Geral da União, do Tribunal de Contas da União, da Comissão de Valores Mobiliários e da Securities and Exchange Comission, dos Estados Unidos.
Nota da redação: A reportagem de ÉPOCA não ignorou a resposta da Petrobras. Registrou a versão da empresa para a relação entre seu gerente de comunicação e as sócias da ONG Zabilin (“patrocinador e proponente”). E também informou que ele afirma seguir “a conduta de ética da Petrobras” e “nega os favorecimentos”.

Fonte:
época.globo.com



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